Costumo dizer que a enfermagem me escolheu, que coisa doida, não? Pois é, a minha vida foi pautada por viver em lares de professores, o que eu tinha a certeza era de que eu não queria ser professora. Era uma repulsão por ver meus pais sempre imersos no trabalho dedicando-se horas para o trabalho, diários, alunos. Essa era a minha maior certeza, não quero ser professora!
Eu não tinha muito contato com as profissões e as pessoas sempre perguntam: “O que você vai ser quando crescer?”, não tinha muitas escolhas de escolhas profissionais, não tinha referências de profissões, elas se limitavam na área da educação e saúde – medicina e enfermagem. Eu tinha a minha resposta pronta que adquiri na minha infância: “Eu quero ser Médica!”, te juro que eu também fui deste time e como Michelle Obama diz: “é a resposta que deixa os adultos felizes.“
Fui muito apoiada pelos meus pais em me dedicar aos estudos, uma ótima visão de educadores para os filhos. Meus irmãos mais velhos não conseguia entender muito bem sobre suas escolhas em suas carreiras. O meu irmão mais velho, o Rauml, trabalhava após ser técnico no SENAI, lembro quando ele passou na prova e foi uma alegria só em casa. Estavamos todos os irmãos junto com a minha mãe na matricula do curso, lembro quando entramos no Senai e aquelas máquinas pareciam ser um lugar incrivel, mas mesmo assim eu não me via ali, apenas me sentia orgulhosa do Raul.
Além do orgulho da vaga que ele tinha conseguido eu estava orgulhosa em ver meu irmão trabalhando e tendo o melhor bife e a melhor marmita preparada pela minha mãe. Meu irmão na época estudava e trabalhava, parecia ser uma atividade bem puxada, ele sonhava em ir pra faculdade, queria fazer Engenharia da Aeronáutica, até começou, mas não pode terminar, ele que pagava a faculdade, porém não me parecia ser algo muito barato.
Eu queria estudar e parecia o sonho um pouco difícil, oriunda de escola pública eu fui encorajada pela minha mãe a fazer ETEC, porém que não poderia ser o ensino médio, mas minha mãe dizia que eu ainda devia escolher um curso técnico. A inscrição lembro que fui com minha tia e ficamos horas na fila para fazer a inscrição da prova e a fala da minha mãe era: “- à partir de agora a sua vida será assim sempre com provas/testes.” Aquela frase ficou pra sempre comigo e fazia sentido e foi assim o resto da vida, teste para ingressar na faculdade, teste para conseguir ingressar no time de bolsistas de iniciação cientifica, para o primeiro emprego, para os demais empregos, para o intercâmbio.
Minha mãe sugeriu que eu prestasse Tec. de Enfermagem, porque era a única coisa que chegava mais próximo da área da saúde e da medicina que era o que eu dizia ser quando “crescesse”. Preciso dizer que eu não passei na ETEC, e continuava sem a mínima ideia do que eu iria fazer, mas queria prestar a prova.
Ainda havia tempos a serem seguidos e provas para serem prestadas, já sonhava com a faculdade igual a mamãe e papai fizeram, eu queria! Queria ir pra faculdade igual meu irmão mais velho, mas eu ia prestando as provas para medicina, não dava outra eu não passava. Fiz cursinho comunitário, nesta época era a EDUCAFRO, o que não foi o suficiente para que eu conseguisse cumprir com a palavra de ser médica, mas ao menos tentei. Consegui uma bolsa de 100% em um dos cursinhos mais caro de São Paulo na região do Morumbi onde eu fiz por 1 ano o cursinho com apoio da Educafro, acordava as 4 da manhã de Santo André para chegar até lá e chegava em casa as após as 18h. Era cansativo, mas não lembro me queixando... O ônibus era minha sala de leitura. Eu sabia que meu ensino na rede pública não se comparava com o ensino dos meus colegas que estudavam nas “melhores escolas do país” e que iam de ferrari para as aulas. Que tinham um carro de presente ao completarem 18 anos.
Alí eu tinha soco na cara diário de que o mundo era muito desigual, algumas pessoas não conversavam comigo e muito menos com o meu amigo Renan Rodrigues. Renan, tem uma deficiência motora do lado direito e na fala, mas Renan é uma pessoa persistente, ele não consegue/ia comer sem auxílio, até conseguia mas levaria tempo e uma parte da comida cairia na mesa. As pessoas não sentariam com ele pq ele não consegue comer com a boca fechada pq a limitação impossibilitava tais padrão para a “high socity”do Morumbi.
Estudávamos na mesma sala, sentado um ao lado do outro, almoçavamos juntos, levavamos marmita e pediamos que guardassem na cantina, era um favor, porque não tinhamos dinheiro para almoçar por lá. Eramos descriminados, sofriamos racismo e estavamos lá como cotistas raciais com bolsa integral, fazendo juz ao nosso direito. Renan é mais escuro que eu e tinha suas limitações física, ele sofria mais que eu o racismo, discriminação por suas limitações e questões sociais, Renan era de uma família muito humilde e condições financeiras muito precárias, acredito que ele conseguia ir pras aulas por ter direito a gratuidade no transporte, porque se não fosse isso, eu tenho minhas dúvidas.
Renan sempre muito persistente, um rapaz dono de uma intelingência incrível, eu nunca conheci alguém tão inteligente como ele. Quando ele prestava o vestibular, ele ficava na turma especial e teria que pedir pra alguém escrever suas respostas, sua redação. Renan tinha dificuldade de fala, era difícil compreender suas falas, algumas vezes e principalmente quando ele ficava nervososo, mas ele tentava e não desistia. Eu já conseguia entendê-lo, e muitos que se esforçassem entenderiam ele sem muita dificuldade. Nas aulas de matemática não tinha pra ninguém ele tirava 10 em tudo. Renan passou no vestibular da UNESP para cursar matemática, perdemos o contato após sua ida a Rio Preto. Isso era fantástico para o crescimento individual dele, iria viver sozinho e morar em outra cidade.
Voltando ao cursinho, foi lá que eu ouvi de uma das colegas de classe, que fazia a 3 anos cursinho para passar na faculdade de medicina, ela sempre disse e dava a entender que eu não ia passar porque ela estudava a 3 anos e a prova era difícil, minha educação era muito fraca. Eu entendo que era, obviamente eu não tinha estudado nas melhores escolas desde a barriga da minha mãe, eu não passava férias na disney e tinha um mundo aos meus pés como o deles. Eu tinha dificuldades em aprender e me via muitos passos atrás ao deles. O vestibular dava o ar de competição e em nenhum momento te mostram um espaço ou momentos de cooperação mútua, era cada um por si.
Leia: A enfermagem e eu 2ª Parte - https://rebeccaaletheia.wixsite.com/rebecca/post/a-enfermagem-e-eu-part-2
Que bacana Rebeca, não somos tão próximas, mas nos encontramos muitas vezes pela amizade de nossas mães, e quero dizer que amo suas histórias, fotos e tudo mais. Sinto orgulho de te conhecer... seu coração, sua história ilumina tudo por onde passa. Que a graça do Amor de Jesus esteja sempre sobre você!